Brasil
3 DESAFIOS DA ESQUERDA BRASILEIRA
O Brasil enfrenta uma das maiores crises de sua história. A pandemia do Coronavírus encontrou um país arruinado economicamente, com desigualdade social crescente e com riscos reais à sua frágil democracia. Vivemos um encontro das crises sanitária, social e política. O governo Bolsonaro atua deliberadamente pelo aprofundamento da crise em todas suas dimensões, deixando o país perplexo e sem rumo.
É verdade que a crise institucional brasileira não começa com Bolsonaro. O golpe de 2016, liderado por Temer e Cunha, foi já uma dura ferida no ambiente democrático nacional. Democracia que nunca foi plena, mas que garantia ainda o respeito ao voto popular e certas liberdades, que tem sido corroídas aceleradamente. A Operação Lava Jato, com sua condução politizada e transformando o combate à corrupção em espetáculo, não apenas promoveu uma perseguição ao PT, como também enraizou a negação da política na sociedade como nunca. Esses dois episódios da vida nacional criaram as condições para a ascensão de Bolsonaro.
O agravamento da crise econômica nos últimos 6 anos alimentou um clima de profunda insatisfação no país. Desde o fim das eleições de 2014, ainda com Dilma no governo e com Levy no comanda da economia iniciou-se uma agenda de ajuste fiscal, cortes no investimento público e ameaça a direitos sociais. Essa agenda foi levada ao extremo após o golpe, com a dupla Temer/Meirelles: aprovou-se a Reforma Trabalhista e o Teto de Gastos, vendidos como fundamentais para que o país retomasse o rumo do desenvolvimento e geração de empregos. O que se observou, entretanto, foi o aumento do endividamento público e do desemprego, ou seja, justamente o efeito contrário. O Teto de Gastos inviabiliza a consolidação dos direitos sociais pactuados democraticamente na Constituição de 1988, além de impedir qualquer política econômica anticíclica.
Com a vitória de Bolsonaro em 2018 e a indicação de Paulo Guedes para o Ministério da Economia descobrimos que sempre é possível piorar. Instituiu-se no Brasil o casamento perverso entre neoliberalismo e autoritarismo. Além da aprovaçãoda Reforma da Previdência, da autonomia do Banco Central e de uma política dura de ajuste – com o fim de programas sociais – presenciamos um retrocesso sem precedentes na questão ambiental (“passaram a boiada”) e na agenda de direitos humanos e sociais.
O mais espantoso é que a mentira neoliberal segue sendo vendido ao país, com apoio entusiasmado da grande mídia e da dita “direita democrática”, mesmo após seu retumbante fracasso. Prometeram empregos se houvesse menos direitos, em nome da redução do “custo Brasil”. Pois bem, aprovaram uma Reforma Trabalhista e um pacote de medidas liberalizantes. Resultado: o desemprego saiu de 6 milhões de trabalhadores (2014) para 14 milhões (2020), o maior número da série histórica. Prometeram crescimento e investimentos privados se houvesse ajuste fiscal, em nome da redução da dívida pública. Aprovaram o Teto de Gastos e uma Reforma da Previdência para equilibrar as contas. Resultado: o país não tem crescimento significativo há 7 anos e a proporção dívida/PIB aumentou de 60% para 90%. É uma mentira que só interessa aos ganhos do capital financeiro, que captura parcelas crescentes do fundo público.
A austeridade, por um lado, amplia o desemprego e reduz salários e, de outro, destrói os serviços públicos e obriga as famílias, cada vez mais pobres, a recorrerem a um processo de endividamento crescente junto ao sistema financeiro para satisfazerem às suas necessidades básicas como saúde, educação e moradia. Neste processo, o setor financeiro se apropria de uma parcela cada vez maior da renda das famílias, logo do excedente socialmente produzido pela classe trabalhadora.
Todos esses ataques aos direitos sociais foram respondidos com luta e resistência pelas frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, por movimentos sociais, pelas centrais sindicais, pelos partidos políticos e pela sociedade civil. Contudo, as mobilizações não foram suficientes para barrar os retrocessos. Houve muita luta, mas a relação de forças pendeu para o outro lado.
Em 2020, esse cenário que já era catastrófico foi completado pela maior crise sanitária da nossa geração. O Coronavírus afetou o mundo todo, mas o impacto sobre o Brasil tem sido especialmente devastador, como reflexo da postura negacionista e anticientífica capitaneada pelo governo Bolsonaro. Declarações catastróficas, descaso aberto com a morte de centenas de milhares de pessoas, estímulo ao descumprimento das orientações sanitárias e, para completar, um trabalho deliberado contra a vacinação do povo. O Brasil virou exemplo internacional de colapso no combate à pandemia. A tragédia humanitária ficará para a história e Bolsonaro é diretamente responsável por ela.
Uma das poucas medidas implementadas pelo Governo Federal foi o auxílio emergencial de R$600, após ferrenha luta da oposição na Câmara dos Deputados. Inclusive a bancada do PSOL conseguiu aprovar uma emenda que dobrava o valor do benefício quando as chefes de família são mães solo. O auxílio, aprovado apesar de Bolsonaro, salvou milhões de brasileiros da fome e evitou uma verdadeira convulsão social. Mesmo com o desemprego recorde e a pandemia em alta, Bolsonaro suspendeu os pagamentos no fim de 2020. A retomada, após nova pressão da oposição e dos movimentos sociais, terá impacto menor, pelo valor de R$250, combinada com a inflação geral de alimentos e combustível no país. A crise se agrava. Cresce o número de famílias sem-teto em todo o território nacional. E os remédios são sempre os mesmos: reformas que retiram direitos e cortes em investimentos públicos. Em outras palavras, pretende-se perpetuar a cantilena liberal como um discurso oficial, levando a população a acreditar que não há saída ou caminho alternativo à crise posta.
Diante deste cenário, o Movimento por uma Revolução Solidária aponta três grandes desafios que nosso campo político e social tem neste momento:
1) Agenda de lutas em torno das principais pautas de 2021: Pela vacinação de toda a população brasileira; pela manutenção do auxílio emergencial e iniciativas de combate à fome e ao desemprego; impeachment de Bolsonaro. Sabemos das dificuldades de iniciativas de mobilização por conta da crise sanitária, mas devemos ter formas criativas de ação sem grandes aglomerações – combinando redes, iniciativas políticas e atos de impacto - e, assim que as condições permitirem, retomar as ruas com força. Desde já é essencial reforçar a atuação territorial, o trabalho de base, para enraizar nossas bandeiras.
2) Unidade do campo progressista: Nenhuma das forças sociais ou políticas da oposição é capaz de sozinha derrotar Bolsonaro. Seja nas ruas, nas campanhas de rede ou nas urnas. O PSOL tem crescido como alternativa renovada de esquerda, a partir de uma política ampla, de defesa da unidade, preservando nossos princípios. Esse é o caminho que temos que trilhar no próximo período. Vamos trabalhar pela unidade social e política da esquerda brasileira para derrotar Bolsonaro e a agenda neoliberal.
3) Programa de Reconstrução Nacional: Precisamos de um projeto para recuperar a esperança popular em outro caminho para o país. Este projeto deve ser construído a muitas mãos e com o máximo de unidade possível. Entendemos que ele precisa ter como pilares um plano de retomada econômica e geração de emprego, baseado no investimento público; uma política de combate às desigualdades (social, racial, de gênero), com uma Reforma Tributária progressiva, Renda básica e outras medidas distributivas e de reparação; e, por fim, um plano de Futuro, com investimentos pesados em Educação, ciência e inovação, apontando para um outro modelo de desenvolvimento, que reverta a primarização da nossa economia e desenhe um futuro ambientalmente sustentável, com transição da matriz energética, dos modais de transporte e metas de carbono zero. Esses são alguns indicativos que apresentamos para o debate.
É tempo de construir a resistência organizada, nas redes, nos territórios, nas ruas. Contra a fome e o genocídio! Pelo direito de viver! Pela solidariedade entre os nossos!